(Conversas realizadas nos dias 14, 22, 28 de abril e 5 de maio)
Tramas do Comum
Com o propósito de abrir diálogos sobre o tema da arte e sua agência no espaço público criamos o Tramas do Comum, um programa público de conversas online coordenado pelas curadoras Camila Bechelany e Khadyg Fares. O Tramas busca abordar os assuntos arte, espaço público, coletividades, urbanidades e travessias a partir de uma perspectiva crítica e na interlocução com outras áreas do conhecimento. Germina como um desdobramento da 10ª Mostra 3M de Arte – Lugar Comum: travessias e coletividades na cidade, que aconteceu entre 7 de novembro e 6 de dezembro de 2020 no Parque Ibirapuera, em São Paulo. A exposição selecionou, comissionou e acompanhou o desenvolvimento de 10 projetos inéditos e abordou imaginários alternativos para a construção da consciência coletiva na cidade.
Muitos dos assuntos que se apresentaram nesses debates surgiram durante o desenvolvimento dos projetos dos/as artistas que são retomados e aprofundados ao longo da programação do Tramas do Comum que acontece em duas frentes. Uma com falas exibidas pelo Youtube, onde conversamos com as/os artistas da Mostra que junto a um/a convidado/a interlecutor/a debatem e examinam questões em torno de sua própria trajetória e sobre a obra proposta para a Mostra. Em uma segunda frente, com lives transmitidas pelo Instagram, convidamos artistas, pesquisadores, produtores e agentes culturais, teóricos e curadores para um diálogo sobre o tema da arte e sua potência no espaço público, somando assim múltiplas perspectivas. São pessoas que de alguma forma estiveram presentes ou como referências para a pesquisa curatorial ou participaram da composição da exposição.
Faremos aqui relatos críticos de cada um das conversas realizadas e por aqui também é possível assistir às gravações através dos links.
Relato #1 – Conversa com Camilla Rocha Campos
A estreia do Tramas do Comum aconteceu no dia 14 de abril de 2021 com a Camilla Rocha Campos, que se define como auto-revolucionária, artista, professora, curadora e escritora. Camilla é co-diretora da 0101 Art Platform para arte afrodiaspórica, membro da plataforma de pesquisa EhCho, professora do programa de Formação e Deformação e membro do conselho de educação na Escola de Artes Visuais do Parque Lage. Mestre em Teoria da Arte pela UERJ, Camilla atua como coordenadora de Residência do MAM Rio e fez parte do júri do edital de seleção da exposição juntamente com a curadora e professora espanhola Eva Gonzalez-Sancho Bodero.
Na conversa entre a curadora da Mostra, Camila Bechelany e Camilla Rocha Campos, foram principalmente abordadas as questões relacionadas ao trabalho de comissionamento, de formação de artistas e as implicações públicas destas atividades. Comentou-se sobre a atuação como júri em seleção em editais, residências e no acompanhamento de artistas, funções que, tanto Bechelany quanto Campos ocuparam em suas trajetórias. Campos apontou como essas funções são de grande responsabilidade, uma vez que, carregam um forte compromisso público. Ela salienta que, no caso da Mostra da 3M de Arte, cujo o edital dos últimos anos tem o objetivo de comissionamento de obras para o espaço público, conjuga-se mais uma camada de compromisso com o coletivo.
Outro ponto que foi levantado foi a importância de chamadas públicas, como o edital da Mostra, uma vez que eles podem abrir redes de conexões a artistas ainda pouco conhecidos do público. Este tem sido um dos objetivos da mostra, assim como da proposta curatorial de Bechelany: contemplar artistas de outras territorialidades, para além da região sudeste. Campos ressaltou que projetos encaminhados a editais devem ser compreendidos como uma chamada para o diálogo, em que o responsável pela avaliação tem de estar aberto a uma “escuta do artista”, compreendendo as especificidades de cada proposta.
Bechelany indicou que um dos critérios de sua proposta para a Mostra foi buscar a heterogeneidade das práticas e linguagens e que apesar das regras do edital, sua proposição curatorial buscou identificar projetos que pensassem simbólica e fisicamente a questão da coletividade e do espaço público. Outra necessidade era que os projetos fossem adaptáveis, uma vez que, todos os artistas lidavam com problemas comuns: a pandemia e as limitações técnicas do parque para instalação de obras de grande formato.
A conversa se concluiu com uma discussão sobre público e privado e de como a arte, mesmo nas instituições privadas, têm um papel relacionado às experiências públicas. E mesmo as grandes coleções têm a sua responsabilidade com o imaginário coletivo. O conceito de coletividade permeou as várias instâncias da Mostra, inclusive no catálogo que traz entrevistas de outros curadores. Campos ressaltou, no entanto, que o entendimento do que é público e privado se altera contemporaneamente.
Para assistir a live com a Camilla Rocha Campos acesse: https://www.instagram.com/p/CNqZYstHmfc/
Relato #2 – Conversa com Camila Sposati e Marcelo Rezende
No dia 22 de abril de 2021 foi transmitida pelo Youtube a segunda live do programa Tramas do Comum. A conversa foi com uma das artistas da Mostra, Camila Sposati, que convidou Marcelo Rezende, que é pesquisador, crítico, diretor artístico e organizador de exposições. Ele também foi diretor do Museu de Arte Moderna da Bahia (2012-2015), diretor artístico da 3ª Bienal da Bahia (2014), e fez parte do grupo curatorial da 28ª Bienal de São Paulo (2008) como editor, entre outros projetos e ocupações. Autor do romance Arno Schmidt (2005), é curador associado do Museu do Mato, na Bahia, foi o curador da exposição Kaffee aus Helvecia (2017) no Museu Johann Jacobs (Zurique). Rezende é atualmente co-diretor do Archiv der Avantgarden (AdA) em Dresden, Alemanha, e integrou o programa Museal Episode (Goethe-Institut / Kulturstiftung des Bundes. 2015–2017).
Além de Rezende e Sposati, a conversa teve a presença das organizadoras do Tramas do Comum, Camila Bechelany, curadora da Mostra e Khadyg Fares, assistente curatorial da Mostra. O debate teve como foco duas obras de Sposati instaladas no espaço público: “O Teatro Anatômico da Terra”, realizada para a Bienal da Bahia, em 2014 e “Teatro Parque Arqueológico”, seu projeto da 10ª Mostra 3M de Arte – Lugar Comum: travessias e coletividades na cidade, em 2020. Sposati aponta que entende seu trabalho em um continuum e que essas duas obras têm uma relação bem direta. Nas duas, ela trouxe a estrutura e o conceito amparado no teatro anatômico, do século XVI. Uma construção em formato de cone invertido cuja base se encontrava um palco, local usado para dissecar corpos humanos enquanto era assistida por uma plateia interessada. Na obra da Bienal da Bahia, Sposati relembra que, sendo instalada numa das áreas mais antigas da ilha de Itaparica, município baiano, fazia conexão direta com a colonização portuguesa. Coincidentemente a data de realização da live, 22 de abril, marca também a chegada da frota marítima portuguesa às terras que mais tarde seriam exploradas e nomeadas de Brasil.
Outro ponto interessante da conversa foi a lembrança de um acontecimento ocorrido durante a execução da obra da Bienal da Bahia. Durante as escavações para a construção do “Teatro Anatômico da Terra”, foi encontrado um fragmento de uma faiança portuguesa. Uma peça pareceu ter sido deixada ali nos primórdios da colonização. Para Sposati, esse achado coroou sua obra e foi de encontro ao propósito conceitual do projeto: “dissecar a terra” e encontrar vestígios históricos. Sposati faz conexão desse acontecimento ao projeto do Ibirapuera. Em “Teatro Parque Arqueológico”, ela dispôs, sobre a plataforma, que poderia ser acessada pelo público por duas escadas laterais, alguns instrumentos musicais de sua série Phonosophia. (Instrumentos musicais construídos no MAM da Bahia em 2014). Logo na primeira semana da exposição, os instrumentos, todos feitos de cerâmica, foram quase inteiramente destruídos pelos visitantes da 10ª Mostra, restando apenas os cacos das peças. Os vestígios dos instrumentos foram deixados durante todo período da exposição, relacionavam-se com a abordagem arqueológica também presente no projeto de Sposati.
Para assistir a live com Camila Sposati e Marcelo Rezende acesse https://www.youtube.com/watch?v=cp5fwdP7j2k
Relato #3 – Conversa com Rafael RG e Alan Alves Brito
A terceira live, exibida pelo Youtube no dia 28 de abril de 2021, foi sobre a obra: “O Brilho da liberdade diante dos seus olhos” de Rafael RG. Com o título “Orum: Astronomia como ferramenta de imaginação política” e tinha acompanhamento do astrofísico e professor Alan Alves Brito que trabalha sobre as relações de povos originários e afro-diaspóricos com a astronomia.
Rafael RG iniciou sua apresentação examinando as relações entre sua instalação exposta na Mostra 3M de Arte e elementos diversos que inspiraram sua obra, tais como o planetário e as rotas de fuga no período de Plantation norte americana (séc. XV a XIX). A obra convidava os visitantes a deitarem-se no chão, abaixo de uma tenda e observar uma reprodução da mesma constelação utilizada como guia nessas fugas em direção à liberdade do cativeiro escravocrata. O artista também relacionou a constalação (Sipé Phairó) com a mitologia de povos da região do alto Rio Negro.
Alan Alves Brito traçou um paralelo histórico a partir das diferentes concepções de leituras das estrelas por parte de diversos povos com conceitos fundamentais de astronomia; além de relacionar a cosmologia desses mesmos povos com fenômenos naturais e elementos culturais. Abordou também conceitos de Etno-Astronomia e História da Astronomia, pensando as relações entre territórios simbólicos e materiais, contrapondo as universalidades e localidades das variadas narrativas dentro das comunidades.
O restante do debate envolveu uma série de pensamentos e perguntas acerca de experiências individuais e coletivas junto ao “Céu”: Como comunidades indígenas e quilombolas se relacionam com a astronomia hoje? Quais questionamentos humanos e sociais podem ser feitos ao se observar o céu? Quais as conexões entre cosmologia e espiritualidade na contemporaneidade?
Para assistir a live “Orum: Astronomia como ferramenta de imaginação política” com Rafael RG e Alan Alves Brito acesse: https://www.youtube.com/watch?v=7n6slSF_iYI&t=2s
Relato #4 – Conversa com Alê Youssef
A quarta conversa aconteceu no dia 05 de maio de 2021 com o Secretário de Cultura de São Paulo, Alê Youssef. Esta conversa teve a presença de Camila Bechelany, curadora da 10a Mostra e de Fernanda Del Guerra, idealizadora e produtora da Mostra. O foco foi a discussão sobre o papel da arte e da cultura na gestão pública.
Youssef iniciou sua fala comentando sobre o plano de amparo à cultura que teve investimento de 100 milhões de reais no setor cultural da cidade direcionado à editais, incentivos e contratações artísticas. O contexto de pandemia atingiu fortemente o setor cultural, já que normalmente ações da cultura serviam para a reunião de pessoas [exposições, teatro, cinema, shows etc]. Sobre a arte contemporânea no espaço público, Youssef comenta que historicamente existe um déficit orçamentário destinado à cultura, uma constatação que, segundo ele, independe de governos e partidos e que diante disso é preciso uma articulação do setor como um todo. Ele entende que a divisão do setor cultural em linguagens e subgrupos prejudica a conquista do objetivo maior que é aumentar a capacidade de investimento público em cultura. Ele aponta que a solução deve ser colocar a cultura no eixo central de desenvolvimento econômico e social das cidades, dos estados e do país a partir da demonstração que cultura é uma saída próspera e democrática da crise que foi intensificada com a pandemia.
Entende que o trabalho da cultura deve ser realizado holisticamente, envolvendo todas linguagens e estratégias. Sugere algumas alternativas como: criar um calendário cultural unificado de iniciativas públicas e privadas, valorizar a memória e o sentido de pertencimento aos lugares públicos, criar mais linhas de fomento e alternativas de incentivo que combatam a desigualdade social, criar gestão para que essas ações aconteçam de forma séria e menos burocrática, atingindo a todos.
Salientou a necessidade de termos um olhar prioritário para as periferias da cidade, lugares que vêm a todo momento se reinventando. Para Youssef “Uma cidade ocupada pela arte, é uma cidade muito melhor para se viver”. Comentou que apesar da criminalização e da censura que a arte vem sofrendo por parte do governo federal é preciso buscar o lugar do fazer da cultura e aponta esse fazer como um de seus principais objetivos ocupando um cargo na cultura no poder público.
Sobre a relação da cultura com a educação, aponta que entende como absoluta a prioridade da interseção da cultura com a educação, indicando que houve a criação de um núcleo de formação cultural na Secretaria entendida como base estrutural da política pública. Relembrou os programas Pia, Vocacional, Jovem Monitor e a EMIA e falou sobre a luta por colocar a cultura e a formação cultural na centralidade da agenda política e ainda que as trabalhadoras e trabalhadores da arte e cultura precisam ocupar espaços de decisão em cargos públicos. Para assistir a live com Alê Youssef acesse: https://www.instagram.com/p/COgbPyygPEM/