Se atentarmos para as letras de muitas de nossas músicas preferidas, encontraremos lamentos, bastante saudade e uma enorme variedade
de promessas de felicidade caso a parte desejada ceda ao clamor da letra
embalada pela melodia. Em comum, encontramos também a constante falta
de alguém que se foi ou não quer vir. Insistentemente, a vontade de se conectar,
estar junto.
E por que fazemos e compartilhamos essas transcriações do desejo por outrem em linguagem musical? Talvez sejam como mensagens na garrafa, lançadas
ao mar da cultura para serem escolhidas por outras pessoas quando estas precisarem conviver com suas próprias ânsias pela presença e pelo encontro. Afinal, não saberemos quando precisaremos de pequeno ou enorme acalento
ao encontrar palavras já cantadas com uma dor que parecia só nossa.
Se assim é, como a assimilação de novas tecnologias e redes digitais pode influenciar e remodelar a pulsão que nos leva a fazer e ouvir essas canções?
Ou seja, o que acontece com nossa necessidade de construir relações de afeto conforme se atualizam as possibilidades técnicas de comunicação
e de construção de identidade social? São essas perguntas, entre outras,
que a V Mostra 3M de Arte Digital – Canções de Amor pretende abordar.
Entendemos o amor em sua acepção ampla, ou seja, como projeção empática
em direção ao outro com quem se quer estar junto. Propomos, então, uma exposição que conta com projetos artísticos para refletir como diferentes modelos técnico-sociais transformaram e seguem transformando os canais por onde escoa essa empatia.
Sua primeira seção conta com dispositivos artísticos que visam compreender
quem é o visitante; apreender um pouco da sua identidade e desejos para talvez tornarem-se mais íntimos dele. Em seguida, a mostra se divide em três momentos. No primeiro, encontramos obras que não poderiam ter sido feitas há quinze
anos, antes da existência do Facebook, YouTube, Blogger e até do Orkut.
São gestos que nascem no ambiente digital online e da dinâmica
de compartilhamento de dados e auto-exposição pelas redes sociais.
Depois, encontram-se obras recentes voltadas para tecnologias desenvolvidas entre os anos 1960 e 1990: a era dos populares dispositivos portáteis (dos rolos de filme Super-8 às pequeninas fitas eletromagnéticas Hi-8, ainda antes
da internet); as obras nos lembram do quanto cada recurso parecia já vir com
um repertório próprio de poses e cenas geradas pela intersecção
das características dos equipamentos com os hábitos e rituais das famílias
de classe média – seus principais consumidores.
Ao final, as obras reunidas nos colocam junto de narrativas consagradas pela indústria cultural de massa; o cinema hollywoodiano, a canção popular brasileira das rádios e discos e, mais tarde, o jornalismo televisivo. São até hoje as mais difundidas mídias na tarefa de construção de imaginários coletivos. Seus produtos não resultam do faça-você-mesmo, mas estão associados a ídolos que, sendo um, pretendem falar por milhões. Reencontramos nas obras dos artistas esses
depósitos de identidade refeitos como espectros fantasmagóricos de nossas lembranças: imagens inusuais que enfatizam os pontos cegos, o silêncio
e a incomunicabilidade que a edição eficaz de tais produtos costuma esconder.
Infiltradas neste percurso, encontram-se ainda maquinetas que não são puramente eletrônicas, digitais ou analógicas. Lembram-nos que mesmo em um ambiente social estruturado pelos sistemas tecnológicos mais atualizados, nem sempre
as obras de arte se resumem a refleti-los: podem focar-se no que sobrou
da memória de outrora; esforçar-se para atrasar a obsolescência de dispositivos antigos; experimentar os desejos urgentes e também as nostalgias
dos sistemas superados.
No seu conjunto, a exposição reúne diferentes maneiras de estar junto de alguém cuja ausência se faz presente. Podemos olhá-las como desdobramentos, condensações, efeitos colaterais, paródias e homenagens às canções de amor, que se tornaram possíveis pelas inflexões no processo de transformação
da comunicação social, do registro audiovisual e da produção cultural.
Mesmo que as obras expostas não sejam todas exemplares da arte digital stricto sensu, elas permitem considerar as relações entre afetos, linguagens e meios, desde perspectivas lançadas nesta era digital.